Alguns Tempo Matador foram enviados para o Brasil (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)
O nome não é alusivo à atual epidemia de Coronavírus, tampouco ao calor do verão no Rio de Janeiro. Mas a Tempo lidou bastante com o fogo antes de começar a fabricar um dos maiores rivais da VW Kombi.
Isso porque a empresa surgiu prestando serviço de combate a incêndios para empresas que importavam carvão pelo porto de Hamburgo (Alemanha). Mas a economia do país entrou em crise, motivada pela cobrança dos danos civis causados durante a Primeira Guerra Mundial.
Foi isso que fez Max Vidal e seu filho, Oskar, buscarem outro negócio. Decidiram se aventurar na indústria automobilística fabricando pequenos veículos comerciais.
Os primeiros veículos, batizados de T1 e T2, eram triciclos com motores de 200 e 400 cm³. Eram tão mal feitos que a Tempo tinha mecânicos em tempo integral para manter os veículos funcionando.
Tempo T1, o primeiro triciclo da marca (Reprodução/Internet)
A Tempo até conseguiu dar a volta por cima, criando triciclos maiores e com cabine fechada – alguns para passageiros, diga-se. Mas veio o governo nazista e a obrigação de fornecer veículos para uso militar durante a Segunda Guerra Mundial.
Enquanto os triciclos eram úteis a serviços de emergência, a Tempo chegou a propor um veículo para o exército alemão. Mas não aceitaram: o G1200 era muito complexo. Tinha dois motores de 600 cm³ e dois tempos, um em cada eixo e com seu próprio câmbio, suspensões independentes e esterçamento das quatro rodas.
Tempo G1200 durante demonstrações na Alemanha (Reprodução/Internet)
As 1.335 unidades foram exportadas para países como Suécia, Finlândia, Hungria e… Brasil. Mas a Alemanha acabou usando alguns apreendidos durante a guerra.
O caráter utilitário dos veículos da Tempo garantiu à empresa uma sorte que a BMW não teve: ela foi autorizada pela Força de Ocupação Britânica a operar após a guerra.
– (Reprodução/Internet)
A fábrica reabriu para prestar serviços e reparos a veículos danificados. E mesmo sem licença oficial para fabricar veículos a motor, em 1947 conseguiu recursos suficientes para enviar 100 triciclos para a Holanda em troca de comida.
A autorização para retomar a produção veio no ano seguinte e os veículos da Tempo, baratos e agora resistentes, se mostraram úteis durante a reconstrução da Alemanha.
Era o momento de a Tempo lançar uma nova linha de produtos, criada pelo novo designer chefe da marca, Dietrich Bergst. Em 1949 surgia sua primeira criação, o Tempo Matador.
O Matador se gabava pelo motor Volkswagen, mas explorava um mercado que logo seria dominado pela Kombi (Tempo/Reprodução)
Ainda era um veículo de carga, mas com quatro rodas, cabine na frente e motor instalado sob os bancos dianteiros e tracionando as rodas da frente.
O detalhe é que o motor boxer 1.1 de 25 cv e o câmbio eram fornecidos pela Volkswagen, que àquela altura via a produção do Fusca (que havia voltado a ser um veículo civil em 1947) crescer paulatinamente.
Chassi com motor e tração dianteiros facilitava o aumento do entreeixos e da área de carga. O tanque de combustível fcava no “nariz” do carro (Tempo/Reprodução)
O Tempo Matador não era bonito, mas se tornou um sucesso: entre 1950 e 1952, mais de 13.000 unidades foram comercializadas.
A Volkswagen, que havia lançado a Kombi em 1950, percebeu o sucesso e decidiu não mais fornecer o conjunto mecânico para um concorrente. A produção do Matador foi paralisada.
Uma das vantagens do Matador era o assoalho plano na traseira (Tempo/Reprodução)
A solução mais fácil para a Tempo naquele momento foi recorrer à JLO, que fornecia motores de dois tempos para seus triciclos desde 1929.
Surgiria o Matador 1000, com motor três-cilindros de 26 cv, faróis deslocados para baixo e nome que reforçava a capacidade de carga. Mas foi um desastre: o motor era fraco e pouco confiável.
Com os novos motores, os faróis foram deslocados para baixo (Tempo/Reprodução)
Tentaram acordo com a DKW, que se negou a fornecer motores para o concorrente do seu F89 Schnellaster.
Quem topou ajudar foi a Heinkel, que acabara de obter os direitos de fabricar motores SAAB de dois tempos.
O Heikel três-cilindros dois tempos de 672 cm³ passou não apenas a estar em todos os Matador 1000 vendidos a partir daquele momento, como também substituiu todos os JLO vendidos até aquele momento.
Resolveu? Não. Os motores Heinkel eram pouco melhores que os da JLO e nem o 1.1 de quatro cilindros do Matador 1400 salvou sua pele.
Anúncio do Tempo Matador nos Estados Unidos (Reprodução/Internet)
A Tempo, então, criou o Viking. Lançado em 1955, era menor e mais barato com um pequeno quatro cilindros dois tempos de 460 cm³. Até vendeu bem, mas não conseguiu salvar a Tempo de uma crise financeira.
Naquele mesmo ano, Oskar Vidal venderia 50% de sua empresa à Hanomag. E a Tempo entraria em um momento bem confuso de sua história.
Com o dinheiro da Hanomag foi possível atualizar o Matador (que perderia as portas suicidas) e o Viking. Qualquer semelhança do novo Matador com a Kombi não foi por mera coincidência.
Mas a Tempo continuou produzindo as versões antigas dos dois modelos. Todos tinham motores Heinkel, e não da Hanomag.
Sob controle da Hanomag, a Tempo atualizou o Matador mais uma vez (Reprodução/Internet)
Em 1956, ainda passaram a fabricar carrocerias para os microcarros da Heinkel, retomaram a produção do G1200 – havia uma curiosa demanda por veículos anfíbios naqueles tempos – e pararam de fabricar os triciclos.
Mas vale dizer que os triciclos da Tempo não morreram. Todo o ferramental foi vendido para a indiana Bajaj, que seguiu produzindo os pequenos veículos sem mudanças até o ano 2000.
Até hoje “Tempo” é sinônimo para pequenos veículos de carga na Índia (Cartoq/Reprodução)
A sorte do Tempo Matador só mudou em 1957, quando ganhou motor 1.5 de 47 cv da inglesa Austin e a capacidade de carga subiu para 1.500 kg.
Ele não só voltou a vender bem na Alemanha como ganhou outros mercados. O mesmo valeu para o Viking, que também ganhou fôlego nas vendas com motores Austin.
O Matador 1500 foi a versão de maior sucesso do modelo (Tempo/Reprodução)
Uma nova atualização foi feita em 1963. Agora batizado de Matador E, o modelo tinha design mais agradável e capacidade para até 2.500 kg e motor Austin 1.6 de 54 cv, podendo também receber um Hanomag 1.8 diesel de 50 cv. Cerca de 70.000 unidades seriam produzidas nos três anos seguintes.
O Tempo Matador chegou ao fim em 1966, mas seu projeto seguiu vivo. Foi vendido como Hanomag-Henschel em diversas versões até 1978. Suas linhas foram modernizadas, mas mantiveram uma curiosa portinhola de abastecimento bem na frente do veículo.
A Hanomag adotou modificou bastante o Matador para transformá-lo em seu veículo de entrada (Hanomag/Reprodução)
Quando a Mercedes-Benz assumiu o controle da Hanomag, em 1969, e aquele chassi com motor dianteiro e tração dianteira, que permitia ter um compartimento de carga plano e baixo (ao contrário da Kombi), encheu seus olhos.
Mercedes L 206 D (Divulgação/Mercedes-Benz)
O projeto serviu de ponto de partida para um novo comercial de entrada da Mercedes, o L 206 D, lançado já em 1970. Tinha motores diesel da própria Mercedes e os Austin a gasolina. Melhorias foram feitas ano após ano até sua produção ser encerrada, em 1977.
Mercedes TN 207 D Kombi (Divulgação/Mercedes-Benz)
Mas aquele derivado do Tempo Matador fez a Mercedes explorar um segmento que nunca mais abandonou. Uma linhagem começava ali.
Naquele mesmo ano a Mercedes lançaria a série TN, que durou até 1995 na Europa. Eles acabaram sendo substituídos pela Sprinter, que até hoje faz sucesso na Europa e no Brasil.
Mercedes Sprinter 1995 (Divulgação/Mercedes-Benz)