Novidades

17 JUN

A triste história dos Ford T que viajaram do Brasil aos EUA 90 anos atrás

Os Ford T da expedição Brasil-EUA, ocorrida entre 1928 e 1937 (Arte/Quatro Rodas)

Antes de contar o milagre vamos contar o santo – e no caso são três santos, chamados Francisco Lopes da Cruz, Leônidas Borges de Oliveira e Mário Fava.

Estes três brasileiros concluíram uma missão praticamente impossível: ir rodando do Brasil até os Estados Unidos a bordo de dois Ford T.

Se hoje este feito já seria impressionante, imagine o que foi realizar essa viagem de 26 mil quilômetros há 91 anos, em 1928. Pois foi o que o trio conseguiu, mas levaram dez anos.

Francisco, Leônidas e Mário: esta foto mostra o corajoso trio em Bogotá (Colômbia), em 1931 (Museu Mário Fava/Acervo pessoal)

A viagem pode soar como absurdamente longa, e foi mesmo – a média percorrida atingiu míseros sete quilômetros por dia. Simples: não existiam as estradas, pontes, viadutos e túneis que atualmente unem neste longo caminho.

Boa parte dos trechos por onde os Ford T passaram eram abertos na base da pá, serra, picareta e dinamite, inclusive quando os intrépidos aventureiros passaram pela Cordilheira dos Andes e pela Selva Amazônica, na qual ficaram quatro meses perdidos. Já os rios eram vencidos em balsas improvisadas, ao sabor da correnteza.

Um dos primeiros registros dos T Brasil e São Paulo durante a expedição, na Bolívia, ainda em 1929 (Acervo Museu Mário Fava/Quatro Rodas)

Além disso, Francisco, Leônidas e Mário não estavam nessa viagem a passeio. O objetivo era traçar a rota de uma futura estrada que ligaria as três Américas por completo.

Por onde passavam buscavam auxílio e apoio junto às autoridades locais, que de olho no desenvolvimento que a rodovia poderia trazer para suas cidades lhes ofereciam abrigo e itens de necessidade como suprimentos, combustível e pneus.

Falando em pneus, aliás, foram consumidos 56 deles pelos dois carros ao longo da viagem, além de 15 mil litros de gasolina e 1.300 de óleo. Atravessaram 15 países tendo como ponto de partida o Rio de Janeiro e o ponto final Nova Iorque.

Sofreram dois acidentes sérios rolando abismo abaixo, ambos no Peru, e sobreviveram também a doenças, fome, sede, frio e ataques de animais selvagens.

No Peru, em 1931, expedicionários quase morreram em dois acidentes (Acervo Museu Mário Fava/Quatro Rodas)

Agora, os carros. O primeiro era um Ford T com carroceria de automóvel, ano 1919, que foi doado no Rio de Janeiro pelo Jornal O Globo e recebeu o nome de Brasil.

Em São Paulo o segundo Ford T, este com carroceria tipo picape, ano 1926, se juntou ao grupo como doação do Jornal do Comércio, e foi batizado de São Paulo.

Quando os dois carros e o três brasileiros chegaram à fronteira do México com os Estados Unidos, em 1936, foram recebidos como heróis por toda a rota à frente.

Isso incluiu encontros com o então Presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, em plena Casa Branca, e com Henry Ford, em pessoa, na matriz da fabricante, em Detroit. Um técnico da Ford, aliás, atestou a originalidade dos carros e de seus motores.

Franciso, Leônidas e Mário junto com Henry Ford, em Detroit, em 1937 (Acervo Mário Fava/Quatro Rodas)

Pelos próprios registros da fabricante, os dois T haviam sido produzidos respectivamente em maio de 1919 e em fevereiro de 1926 e ambos, cada um em sua época, haviam sido embarcados para o Brasil pelo porto de Nova York.

Ao conhecer a aventura inacreditável que os valente T enfrentaram, o que incluiu até o uso de um combustível inventado por Mário Fava composto por cachaça de milho e gordura de lhama (sim, os T já eram flex fuel!), Henry não resistiu e ofereceu o que foi descrito como “uma verdadeira fortuna” pelos dois carros para exibi-los no museu da Ford.

Model T Brasil no Museu do Ipiranga, em 1954 (Acervo Miau/Quatro Rodas)

Os três brasileiros, porém, entendendo que os veículos deviam ficar no Brasil para orgulhar os brasileiros, recusaram a oferta. Em 5 de maio de 1938 os dois carros e os três expedicionários embarcaram de volta ao país em um navio.

Chegaram no Rio de Janeiro vinte dias depois e logo foram recebidos pelo presidente Getúlio Vargas, a quem foram entregues os mapas desenhados durante a viagem com a rota completa da estrada.

Meses depois os cinco chegavam a São Paulo, onde os carros foram doados ao Museu do Ipiranga para que fossem exibidos como verdadeiros troféus.

Raro registro do Model T São Paulo no Museu do Ipiranga, nos anos 50 (Acervo Miau/Quatro Rodas)

Mas, infelizmente, não foi isso o que aconteceu. Os dois T foram acomodados sob as asas do hidroavião Jahu, a primeira aeronave a cruzar o Atlântico Sul sem escalas, em 1927.

O avião, porém, não recebeu muitos cuidados à época, e muito menos os carros. Todos foram deixados em um barracão de zinco, nos fundos do museu.

O acervo do Miau (Museu da Imprensa Automotiva) guarda um exemplar da revista Vida na GM de 1954, cuja reportagem visitou naquele ano os carros no Museu do Ipiranga (ah, doce época em que uma montadora não se importava de falar de feitos históricos de carros de sua principal concorrente).

E ali, 16 anos após o retorno dos dois Ford T heroicos ao Brasil, o cenário já era desanimador.

Dizia então o texto que os carros estavam com “pneumáticos por terra, faróis sem vidro, chassis carcomidos, assentos e forros destruídos pelo tempo e pelas traças, carrocerias desconjuntadas, o motor quasi desfeito. É realmente mau o aspecto de ambos”.

A partir daí pouco ou quase nada se sabe.

Model T Brasil no Museu CMTC, durante os anos 90 (Acervo Miau/Quatro Rodas)

Há um longo hiato, de cerca de três décadas, até meados dos anos 80, quando um deles, o Brasil, foi repassado pelo Museu do Ipiranga ao então Museu da CMTC, hoje chamado Museu do Transporte Público Gaetano Ferolla, também na capital paulista.

Já o outro carro, o São Paulo, simplesmente se perdeu: a teoria mais aceita é que foi deixado por estes 30 anos ou mais ao relento em um terreno no bairro do Ipiranga e se desmanchou.

Mas, dada a “raça forte” do caminhãozinho, é difícil acreditar que isso tenha de fato ocorrido. O mais provável é que tenha sido roubado, seja aos poucos, em partes ou peças, ou até mesmo inteiro. Fato é que seu paradeiro, infelizmente, é totalmente desconhecido.

O Ford T Brasil pelo menos teve melhor sorte, ainda que tenha sido deixado de lado no Museu da CMTC por muito tempo, por ser este um espaço mais dedicado a veículos de transporte público e coletivo.

Apesar disso ali, em algum momento, ele foi ligeiramente recuperado. E 25 anos depois de sua chegada, por volta de 2011, começou uma nova expedição, quase tão difícil quanto, mas agora pela rodovia da burocracia.

Habitantes de Bariri, cidade no Interior de São Paulo, a 300 quilômetros da Capital, se uniram para montar um museu em homenagem a um de seus filhos mais famosos, Mário Fava, justamente o mecânico da expedição.

T Brasil, único sobrevivente da expedição, goza de sua merecida aposentadoria no Museu Mário Fava, em Bariri (Museu Mário Fava/Divulgação)

Depois de duras batalhas, conseguiram levar para a cidade o Brasil, que hoje é a peça principal do Museu Mário Fava, inaugurado em 2018.

O acervo do Miau, por seu lado, também possui um livro que conta a história completa desta fantástica expedição.

De autoria de Osni Ferrari (!!), a obra se chama “Eu Não Sabia que Era Tão Longe”, comentário que o humilde Mário Fava, falecido em 1999, sempre fazia quando lhe perguntavam como foi que ele topou participar de tamanho desafio.

A Ford, que completa 100 anos no Brasil neste 2019, bem que poderia aproveitar o modelo T que está agora em Bariri, fabricado justamente em 1919, para servir de símbolo de seu centenário no país.

Mas preferiu, em vez disso, apenas lançar uma série especial do Ka e do EcoSport. Não será esse, de qualquer forma, o primeiro descaso histórico que o Brasil (o carro…) enfrenta, não é mesmo?

Essas e outras histórias bacanas podem ser conferidas no acervo do Miau – Museu da Imprensa Automotiva.

O museu está instalado na Rua Marcelina, 108, Vila Romana, São Paulo (SP), e funciona normalmente aos sábados e domingos das 13h às 17h. Seu site é www.miaumuseu.com.br e o telefone  é o (11) 98815-7467. O site do Museu Mário Fava é o www.museumariofava.com.br.

É jornalista especializado em automóveis e fundador do Museu da Imprensa Automotiva.

Fonte: Quatro Rodas

Mais Novidades

21 JUN

Irmão do Creta, Kia Seltos é o SUV de baixo custo que a marca precisava

Kia Seltos: mais um SUV compacto no mercado (Divulgação/Kia)A Kia ainda tenta descobrir como ingressar com força no crescente mercado de SUVs compactos.Se com representantes como KX3 e Niro está difícil, especialmente em mercados emergentes, o jeito é criar uma solução de custo mais baixo para brigar em países como a Índia e, quem sabe, o Brasil.Foi aí que surgiu o Seltos, ilustrado nas imagens deste artigo. O nome deriva de Celtos, filho do herói Hércules na mitologia grega. Qual... Leia mais
21 JUN

Suzuki Jimny tem novidades na linha 2020; nova geração chega no segundo semestre

Enquanto aguarda pela chegada de sua nova geração, o Suzuki Jimny chegou à linha 2020 com algumas novidades. Sempre equipado com motor 1.3 de 85 cavalos de potência, câmbio manual de 5 marchas e tração 4x4, o jipinho parte de R$ 71.490. Veja os preços: 4Work: R$ 71.4904All: R$ 74.9904Sport: R$ 82.9904Sport Desert: R$ 89.990 As principais novidades estão a partir da versão 4Sport, que ganha máscara cinza nos faróis, para-choque dianteiro renovado e rodas de liga leve... Leia mais
21 JUN

Toyota vai demitir 840 e encerrar turno na fábrica de Yaris e Etios

Linha de montagem do Toyota Etios em Sorocaba (SP) (Divulgação/Toyota)A Toyota deu início nesta semana a uma estratégia para enxugar as operações nas fábricas de Sorocaba e Porto Feliz (SP). Na primeira unidade são produzidas as famílias de compactos Yaris e Etios; na segunda, os motores 1.3 e 1.5 que equipam os modelos.Trezentos e quarenta funcionários já foram demitidos e outros 500 não terão seus contratos renovados até 5 de agosto, quando o terceiro turno de trabalho será... Leia mais
21 JUN

Porsche Cayenne: primeiras impressões

Durante um tempo, o Cayenne foi malvisto pelos fãs mais puristas da Porsche. Fato é que o primeiro SUV da companhia alemã também foi o responsável por tornar saudáveis as finanças da empresa novamente, abrindo caminho para o desenvolvimento de novas gerações dos esportivos “puro sangue”. Ao longo de quase duas décadas, o Cayenne foi amadurecendo quando a Porsche percebeu que ele não precisava ser uma versão SUV do 911. Faróis e lanternas ficaram mais proporcionais,... Leia mais
20 JUN

Peugeot mostra 2008 totalmente renovado e elétrico, mas que não chega tão cedo ao Brasil

A Peugeot reformulou totalmente seu SUV compacto, o 2008. Na comparação com a versão anterior, é possível dizer que só restou o nome em comum. Nesta nova geração, ele incorpora a identidade visual mais recente da fabricante, já adotada por 3008, e, principalmente, 208. O novo 2008 foi apresentado na Europa nesta quarta-feira (19), mas segue distante do mercado brasileiro. A fabricante afirmou que não há previsão de comercialização dele por aqui. Agora elétrico Na... Leia mais
20 JUN

Kia Seltos promete ser global e tem chances de chegar ao Brasil

A Kia apresentou o inédito Seltos, seu primeiro SUV compacto de caráter global. Com produção definida para acontecer na Coréia do Sul e na Índia, o modelo tem grandes chances de chegar ao Brasil. A fabricante não divulgou as dimensões do modelo, que devem ficar próximas às de seus rivais, como Honda HR-V, Jeep Renegade e Hyundai Creta, dos quais ele também recebe inspiração no desenho. As únicas medidas conhecidas são das rodas, que podem ter 16, 17 ou 18 polegadas. ... Leia mais