Em decisão divulgada nesta quinta-feira (13), a Organização Mundial do Comércio (OMC) manteve parte das condenações ao Brasil por programas de subsídios à indústria, mas aliviou algumas punições da decisão anterior. A decisão é resultado de uma apelação do Brasil, que foi condenado em 2017 pela OMC em ação movida pela União Europeia e pelo Japão.
O Japão e a União Europeia abriram queixa contra 7 programas do governo brasileiro que davam incentivos fiscais a alguns setores (entenda cada um deles mais abaixo). Entre eles, 5 tiveram a condenação mantida - embora a OMC tenha mudado algumas conclusões sobre eles. Em outros 2, a OMC aceitou a apelação brasileira.
Também foi revertida a decisão que dava ao Brasil prazo de 90 dias para implementar as determinações da Organização.
A maior parte dos programas questionados é do governo de Dilma Rousseff, sendo que parte deles já foi encerrada. Agora, o próximo governo, de Jair Bolsonaro, terá que rever os programas ainda em andamento para evitar retaliações por parte de outros países após a decisão da OMC.
As reclamações eram de que os programas violam acordos internacionais de comércio dos quais o Brasil faz parte, prejudicando assim a competitividade de outros países no mercado.
As medidas atingem principalmente os setores automobilístico e de informática.
Veja abaixo os 5 programas que tiveram a condenação mantida:
Manteve condenação, mas restringiu o alcance das determinações de que são subsídios proibidos:
- Lei de Informática (programa iniciado em 1991) e legislação derivada;
- Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Equipamentos para a TV Digital (PATVD);
Manteve condenação, mas reverteu decisão de que são subsídios proibidos:
- Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS);
- Programa Inclusão Digital;
- Programa Inovar-Auto
Veja abaixo os 2 programas que tiveram a apelação aceita:
- PEC (Programa destinado a empresas predominantemente e exportadoras)
- RECAP (Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras)
Entenda os programas brasileiros que foram alvo de reclamação na OMC:
Inovar-Auto - Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores
- O programa dá crédito presumido para empresas que produzem veículos no país e apresentem projetos de investimento. Na prática, medida impõe sobretaxa de até 30 pontos percentuais para o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de veículos importados
- Encerrado
Lei de Informática
- Uma combinação de medidas iniciadas em 1991 e modificadas em 2001, 2004 e 2014, ofereceu redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e outros incentivos fiscais para produtores de hardwares, automação industrial e telecomunicações
- Em vigor
PATVD (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Equipamentos para a TV Digital)
- Programa reduziu a zero a alíquota de impostos de importação de insumos para fabricação de TVs digitais
- Extinto
Programa de Inclusão Digital
- Medida concedeu isenção do PIS/Cofins sobre a venda no varejo de computadores, tablets, modems, roteadores e smartphones.
- Extinto
RECAP (Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras)
- Suspendeu a cobrança de PIS e Cofins na compra de máquinas e equipamentos de empresas altamente exportadoras
- Em vigor
PADIS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays)
- Medida reduziu a zero a alíquota de impostos de importação de insumos para fabricação desses produtos
- Em vigor
PEC (Programa destinado a empresas predominantemente e exportadoras)
- Medida isenta impostos de compra de insumos para empresas exportadoras
- Em vigor
Repercussão
Analistas ouvidos pelo G1 afirmam que, apesar da manutenção das 5 condenações, a decisão da OMC foi positiva para o Brasil.
Para a especialista em comércio internacional e sócia do Barral M Jorge Consultores Associados, Renata Amaral, a decisão da OMC foi surpreendente e “bastante positiva” para o Brasil.
“Antes todos os sete programas questionados pela UE e Japão haviam sido condenados, e agora houve uma reversão significativa”, afirma Amaral.
Segundo Amaral, a absolvição do PEC e do RECAP tem um impacto significativo, uma vez que eles abrangem vários setores da economia. “O PEC inclui mais de 500 empresas brasileiras, daí é possível ver a relevância dessa decisão”.
Victor Bovarotti Lopes, sócio do Demarest que atuou pelo lado do governo junto a Confederação Nacional da Indústria (CNI), também comemorou a decisão sobre o PEC e RECAP.
Outro aspecto benéfico foi a retirada do prazo de 90 dias para o Brasil tomar providências. Amaral aponta que, com a nova decisão da OMC, não há mais um prazo estabelecido e o país poderá negociar. "A decisão é muito importante para o Brasil porque permite a manutenção dos programas PEC e RECAP, que minimizam o acúmulo de créditos fiscais por empresas preponderantemente exportadoras", comenta.
Para Jason Vieira, economista chefe da Infinity Asset, a decisão não significa um problema para o governo Bolsonaro. “Eu acho que a repercussão para o próximo governo não poderia ser melhor. Pelo programa de governo do [futuro ministro da economia] Paulo Guedes, a tendência é mesmo de abertura comercial”, comenta. “O Brasil tem tendência de não usar mais esse tipo de programa, porque parte deles tem um impacto fiscal.”
Sobre o possível impacto da extinção ou redução desses programas para os setores afetados, Vieira diz que o problema da indústria no país é estrutural – ou seja, a solução não viria dos efeitos de programas de incentivo.
“Nós temos um problema de produtividade no Brasil, e um segundo, mais grave, de infraestrutura. Isso você não resolve dando incentivos”, aponta Vieira.
“A indústria nacional está mal-acostumada com um patronismo muito grande por parte do Estado, e o processo de abertura comercial já é isso pra deixar isso de lado”, diz.