O novo sistema de aerodinâmica ativa aumentou o downforce em 40% (Divulgação/Lamborghini)
Quando um fabricante de superesportivos planeja uma versão mais veloz e radical de um modelo de linha, a receita costuma ser sempre a mesma: aumentar a potência e baixar o peso.
Mas a Lamborghini resolveu ir além quando pensou na evolução do já nervoso Aventador LP750-4 SV (SuperVeloce): um cuidado com a aerodinâmica como nunca se viu na marca.
O resultado é o Aventador SVJ, uma obra de arte de engenharia que faz por merecer sua letra “J” (é o artigo do regulamento da FIA para os carros de rua criados com o intuito de legitimar as versões de corrida).
Pena que mal dá para ver pela capa transparente a beleza do motor V12 aspirado com 770 cv de potência (Divulgação/Lamborghini)
Começando pela potência, o V12 aspirado subiu de 750 cv para 770 cv – é o mesmo motor da série comemorativa Centenario.
Para isso, reduziram os atritos internos e adotaram um duto de admissão de titânio, resultando em mais rendimento principalmente acima das 3.500 e até as 8.500 rpm.
Quanto ao peso, houve o maior uso de fibra de carbono e alumínio, como nas rodas e para-choques.
O difusor de ar ficou maior, o que obrigou a elevar as saídas do escapamento (Divulgação/Lamborghini)
Assim, a Lambo obteve um feito: pela primeira vez um carro de rua da marca tem uma relação peso/potência abaixo de 2 kg: seus 1.525 kg divididos pela potência geraram a taxa de 1,98 kg/cv.
E havia uma razão para isso: roubar do Porsche 911 GT2 RS o título de o mais rápido em Nürburgring.
E é aqui que entra o intenso retrabalho na aerodinâmica: o novo sistema inteligente ALA 2.0 (Aerodinamica Lamborghini Attiva), que resultou num aumento de 40% do downforce no Aventador (que não dispunha do ALA 1.0, inaugurado no Huracán Performante).
Abas ativas no meio do spoiler jogam o ar para baixo do carro ou para cima pelas duas fendas no bico do SVJ (Divulgação/Lamborghini)
Ele usa abas aerodinâmicas frontais (no centro do spoiler)e traseiras (no aerofólio), que reagem em menos de 500 milissegundos. Elas trabalham com duas situações: menor arrasto aerodinâmico (mais velocidade em retas) e maior downforce (mais aderência em curvas ou frenagem total).
Merece atenção o recurso de vetorização Aero: o fluxo de ar entra na base do aerofólio, sobe e é direcionado para o lado da asa de dentro da curva, a fim de alterar o fluxo de ar nessa região, aumentando a aderência dessa roda, o que ajuda a puxar o carro para dentro da curva.
Perguntamos à Lamborghini por que não adotou a tecnologia tradicional de vetorização de torque, por meio da frenagem seletiva das rodas.
“Essa solução iria levar a um aquecimento dos freios, que têm de estar 100% disponíveis em um superesportivo como este”, explicou o engenheiro de chassi, Lorenzo Rinaldi.
Entrada de ar na base do aerofólio distribui o fluxo de ar para um dos lados da asa (Divulgação/Lamborghini)
Claro que a suspensão também foi retrabalhada, com a adoção de barras estabilizadoras 20% mais rígidas do que no SV e amortecedores magnéticos mais firmes, tudo funcionando em harmonia com a tração integral e o eixo traseiro direcional.
O resultado dessa nova receita veio este ano na forma do recorde da volta em Nürburgring, com 6min44s97, que veio acompanhado de polêmica.
Muitos criticaram algumas liberdades tomadas que não estão em carros de rua, caso do alívio de peso, com a retirada de itens como carpetes, banco do passageiro e sistema multimídia, e da instalação de uma gaiola interna para aumentar a rigidez torcional.
Depois de ouvirmos todas as informações técnicas, finalmente era chegada a hora de testar tudo isso na pista. O local escolhido pela Lamborghini era o recém-renovado asfalto do autódromo de Estoril (Portugal).
Abrimos a porta do tipo tesoura e entramos em um ambiente suntuoso, com doses generosas de revestimento preto de Alcantara, apliques de carbono e alumínio e um vistoso quadro de instrumentos digital e configurável.
Não podia ser diferente para um esportivo que custa 470.000 euros.
Acabamento interno é bastante refinado (Divulgação/Lamborghini)
Levanto a capa de proteção do botão de partida, pressiono-o e o motor explode logo atrás das minhas costas.
Um ligeiro toque na borboleta de troca de marchas à direita do volante, eu saio cantando pneu para as primeiras quatro voltas em ritmo moderado, seguindo o piloto profissional de marca, no modo Strada, mais manso.
Depois passo para o ajuste de condução Sport. Cada troca de marcha sacode a cabine com mais força e a direção reage de maneira mais rápida. Algumas voltas depois, é hora de ativar o programa Corsa.
A suspensão endurece ao máximo e as trocas tornam-se brutais, a ponto de o carro chegar a se desestabilizar quando feitas no meio de uma curva.
Maurizio Reggiani, diretor técnico, contou que esse câmbio automatizado de sete marchas tem a entrega de torque interrompida por cerca de 30 a 50 milésimos de segundo durante a troca, o que gera esse coice habitual no Aventador.
Telas digitais ajudam a monitorar todos os sistemas (Divulgação/Lamborghini)
Ele conta “que muitos apreciam essa brutalidade porque combina bem com o DNA de um Lamborghini e de um motor V12, mas que em uma utilização mais cotidiana é mesmo incômodo”, ao mesmo tempo que admite que “não será uma solução para o futuro”.
Leia-se, o sucessor do Aventador terá um novo câmbio, provavelmente de dupla embreagem, que não apresenta essa interrupção de torque.
FREIOS INCANSÁVEIS
Continuo acelerando e o torque gigantesco de 73,4 mkgf faz com que uma marcha leve à outra muito rápido: quinta, sexta, sétima… E já chega a próxima curva.
Pressiono o pedal de freio com violência uma vez, depois outra, e assim até o final das 12 voltas em Estoril, e em nenhum momento há sinal de fadiga nos enormes discos carbocerâmicos de 40 cm à frente e 38 atrás.
Em um circuito como esse pudemos perceber como o SVJ faz bem a tal transferência de peso de um lado para o outro, provocada pelo sistema de vetorização Aero, que ao virar o volante jogava o downforce no lado do aerofólio interno à curva.
Botão de partida como em um caça (Divulgação/Lamborghini)
Isso aumentava a aderência dessa roda e fazia o carro apontar ligeiramente para dentro da curva, mantendo o SVJ na trajetória planejada pelo piloto.
Mas pudemos notar um déficit de aderência em várias situações de curva, especialmente no meio ou na saída, mais do que no McLaren Senna, que eu havia dirigido nessa mesma pista alguns meses antes – sem esquecer, claro, que o asfalto novo e pouco emborrachado reduz a aderência.
Aliás, é inevitável comparar o SVJ com o esportivo inglês, já que ambos empatam na aceleração de 0 a 100 km/h (2,8 s). Mas o italiano leva vantagem na velocidade máxima maior (divulgada “como acima de 350 km/h” contra 340 km/h do Senna).
Nos outros Lambo, o som Sensonum custa cerca de US$ 4.500 (Divulgação/Lamborghini)
Mas o SVJ acaba perdendo no 0 a 200 km/h (8,6 s contra 6,8 s) e no 0 a 300 km/h (24 s versus 17,5 s), fruto do motor superior (800 cv/81,6 mkgf) e do peso 300 kg inferior do modelo inglês.
Reggiani não nega os números, mas se apressa para finalizar nosso teste: “Lembre-se de que posso comprar mais de dois Aventador SVJ pelo preço de um só McLaren Senna”.
Veredicto
A brutalidade na pilotagem e no visual combinam com perfeição com o que se espera de um Lamborghini topo de linha. E por um preço menor que o dos rivais.
Ficha técnica – Lamborghini Aventador SVJ